Eliseu Lopes*
Ao se encontrar com Carlos Mesters pela primeira vez, Maria, de ltapuranga (GO), exclamou: "Então o Sr. é que é o frei Carlos Mestre? Parece flor crescida na sombra: alto, esguio e pálido." É isto o frei Carlos. É flor crescida na sombra.
Nasceu como uma tulipa, sem ostentação, numa cidadezinha ao sul da Holanda. Cresceu na acolhedora e cálida sombra de uma família biblicamente perfeita: sete irmãos. Na infância, viveu os anos sombrios da Segunda Guerra Mundial. Mas, pela localização geográfica, sua cidade ficou à sombra dos acontecimentos e não sofreu grandes transtornos.
Jacobus Gerardus Hubertus Mesters nasceu na Holanda, no dia 20 de outubro de 1931. Foi este o nome que recebeu na pia batismal. Vinte anos mais tarde, ao receber o hábito da Ordem Carrnelita, já no Brasil, foi rebatizado de Carlos: frei Carlos Mesters.
Quando fala ao povo sobre a Bíblia, frei Carlos recorre às vezes a algumas imagens familiares, impregnadas de reminiscências da infância. A Bíblia é como um álbum de família. Numa desordem organizada, seguindo o ritmo da vida, oferece um espelho da família. Enfeixa e reúne, na seqüência das páginas e até numa página só, o registro de cenas e fatos distantes no tempo. Anos e anos podem ser folheados num minuto. Vêm emendados, um no outro, acontecimentos com séculos de distância.O Brasil como lar definifivo
Aos 17 anos, o jovem Jacobus Mesters escolheu o Brasil como campo de sua futura atividade missionária. No dia 6 de janeiro de 1949, festa dos Santos Reis, ele e seu amigo Vital Wilderink tomaram o navio rumo ao Brasil. Foram duas semanas entre o céu e o mar. No dia 20 de janeiro, o navio lançou âncoras no porto do Rio de Janeiro. Era a festa do padroeiro da cidade, S. Sebastião. Uma numerosa procissão caminhava pelas ruas, e aquele espetáculo marcou suas primeiras impressões da terra que adotara como sua nova pátria.
Voltou para o navio e pôde assim contemplar com novos olhos a beleza do litoral até a cidade de Santos, onde desembarcou no dia seguinte. As paisagens de sua nova pátria se descortinaram, exuberantes, na subida de Santos a São Paulo.
No convento da Rua Martiniano de Carvalho, completou o curso de "Humanidades" e, em janeiro de 1951, com o hábito de carmelita, recebeu o sonoro nome de frei Carlos.
Muito sabiamente, os carmelitas enviavam seus futuros missionários em plena juventude e ainda no período de formação, numa fase muito propícia à inculturação. Frei Carlos se abrasileirou tão bem que, no encontro inter-eclesial das CEBs em João Pessoa (PB), quando os peritos foram escolher alguém que pudesse falar ao povo de modo compreensível, o escolheram, por unanimidade, como seu porta-voz.
Terminado o noviciado, fez a profissão religiosa no dia 22 de janeiro de 1952. Cursou a Filosofia em São Paulo e foi fazer a Teologia em Roma, no Colégio Internacional Santo Alberto, em 1954. Foi consagrado presbítero no dia 7 de julho de 1957.
Formou-se em Teologia no Angelicum, a respeitada Faculdade Teológica dos dominicanos, em 1958. Em ciências bíblicas, formou-se primeiro, no Institutum Biblicum dirigido pelos jesuítas em Roma e, depois, na Escola Bíblica de Jerusalém, dos dominicanos. Em 1962, voltou a Roma para defender tese junto à Pontifícia Comissão Bíblica. Em 1963, de volta ao Brasil, foi nomeado professor no Curso Teológico dos Carmelitas, em São Paulo. Pelo testemunho de alguns de seus ex-alunos, a Exegese, até então considerada uma matéria árida e secundária, passou a merecer um grande interesse, graças às virtudes didáticas e sobretudo ao entusiasmo contagiante do jovem mestre. Seu desempenho como professor não passou despercebido: em 1967, foi convocado para dar aulas no Colégio Internacional Santo Alberto, em Roma.
É claro que este "brasileiro" não podia se conformar em ficar longe do Brasil. Em 1968, deu por encerrada sua colaboração em Roma e voltou, sendo transferido para Belo Horizonte (MG), onde o Convento do Carmo se destacava como um centro de irradiação, um lugar de acolhimento e um ponto de referência, naqueles tempos convulsos.
Foi chamado para lecionar no Instituto Central de Teologia e Filosofia da Universidade Católica, que vivia uma fase de grande efervescência. Aliás, todo o mundo estudantil, em Belo Horizonte, estava em febre alta. Frei Carlos e seus companheiros participavam ativamente dos movimentos de resistência ao regime militar que se exacerbava.
Frei Carlos e o CEBI
O CEBI é como uma planta rasteira que se esparrama e, na sua aparente fragilidade, leva a força irresistível da vida. A semente dessa planta foi lançada, em Angra dos Reis, no final de 1978, através dois cursos de caráter nacional. Em 1979 foi semeada regionalmente no Nordeste, no Centro-Oeste e no Sul. Para frei Carlos, seu único rnérito é de ter sido o semeador no terreno fértil e já preparado das comunidades populares. Quem o acompanhou, nesses primórdios do CEBI, sabe da sua total e incansável dedicação. Começou uma fase de intensa produção, digamos, informal e espontânea, em que se desenvolveu e aprimorou aquele carisma de comunicador da Palavra que todos reconhecem nele. Ele próprio deve ter perdido a conta dos cursos que assessorou, dos textos que escreveu, das reuniões de que participou, das entrevistas e reportagens que deu. Como não se atribui nenhum direito de propriedade privada sobre o que sai de sua boca ou brota de sua pena, sua palavra, falada ou escrita, espalhou-se com a liberdade de uma "brisa leve", para usar uma imagem que lhe é cara, criando um clima novo na atmosfera bíblica.
Por fazer questão de sempre escrever de maneira clara e popular, frei Carlos é acusado pela empáfia de alguns doutoraços de não passar de um "vulgarizador" da Bíblia, sem quilate científico. Esquecem-se de que a obra da vida de Jerônimo, o patrono dos exegetas, foi a Vulgata e de que o grande ideal de Lutero foi o de vulgarizar a Bíblia. Dom Tomás Balduino revida: "criticam porque Frei Carlos não é um simples compilador nem se contenta em fazer autópsia bíblica."
Em 1988, quando o Estadão publicou, com estardalhaço, um longo artigo feito de ataques contra Carlos Mesters e o CEBI, foi grande a repercussão. Repórteres de jornais e revistas iam ao CEBI ou telefonavam, à cata de informações e queriam marcar entrevistas com frei Carlos. Na falta de notícia, publicavam especulações sobre supostos processos em andamento no Vaticano. Frei Carlos se esquivou da imprensa, mas preparou uma resposta contundente a todas as acusações para distribuir aos amigos e interessados.
É assim o frei Carlos: para defender o povo, não lhe falta audácia nem vigor. Quanto às acusações que lhe são assacadas, simplesmente as ignora para não prejudicar seu trabalho com o povo. O povo, com quem se identifica, é que, neste caso, se sentiu atingido, como provam as inúmeras cartas e abaixo-assinados de repúdio aos ataques que recebeu então.